” Aquilo que alguns podem pensar ser contos arcaicos de uma religião estrangeira, os grandes épicos indianos de deuses e demônios são, na realidade, a psicologia mais sublime do Self mais elevado. Com a chave para o seu verdadeiro significado estes registos ancestrais revelam-nos a grande sabedoria perene ensinada pelos mais elevados sábios.
Cada deus no panteão hindu representa um aspecto da nossa mente iluminada. Esta é a forma como a dinâmica da alma e do ego, de devoção e de inteligência superior, de fé e ignorância ganharam expressão para que nos possamos compreender a nós mesmos.
Hanuman, o grande deus macaco do Ramayana, simboliza a mente que se tornou disciplinada e cheia de devoção. Hanuman é o estado da nossa mente macaco evoluída e rebelde que salta constantemente de pensamento em pensamento. Esta mente está totalmente focada na presença do Divino, o Senhor da Vida dentro do coração.
Quando Rama pergunta a Hanuman, “Como olhas para mim?”, O grande macaco dá uma resposta em três partes: “Quando eu acredito que eu sou o corpo, então eu sou teu servo fiel. Quando eu sei que eu sou a alma, eu sei que sou uma centelha da tua luz eterna. E quando eu tenho a visão da verdade, você e eu, meu Senhor, somos um e a mesma coisa. “
Com esta resposta ele mostra-nos três estados que fluem através da nossa busca espiritual. Muitas vezes identificamo-nos com a pessoa, o corpo-mente-ego, nós pensamos que somos. Nesses momentos, podemos perceber que estamos aqui para fazer a obra de Deus, para servir a esse Eu superior em nós e em tudo. Este é o fundamento de Karma Yoga, o yoga do serviço ou ação.
Um nível acima, percebemos que não somos tão separado da inteligência divina como pensávamos, que há um maior conhecimento e presença trabalhando através de nós. Sentimos que não estamos separados de outros seres e que a nossa existência é uma expressão da presença indescritível de Deus em nós. Este é o lugar onde Bhakti e Raja Yoga nos abre ainda mais.
A mudança mais dramática de percepção ocorre quando todos os véus se levantam e temos a visão da verdade. Então sabemos que somos tudo o que existe. Nós somos a Fonte; nós somos um. Jnana Yoga visa essa percepção direta.
O que permite Hanuman ter esta visão completa? É a fé (shraddha). Esta fé é a origem de cinco níveis essenciais da prática espiritual. Assim, Hanuman é a manifestação da fé que nos dá força, que transforma a nossa memória e nos conduz através do samadhi para a sabedoria perfeita. Deixem-me explicar:
A verdadeira fé não é crença. A fé não é o que acreditamos ou o que nos disseram, nem é acreditar na crença de outro alguém. É muito mais real do que isso. Ela baseia-se na experiência direta da verdade e é portanto mais sólida do que uma rocha.
Para aqueles no caminho devocional, a fé nasce do amor e do amor cresce a nossa fé. Sabemos que estamos em algo mais real, mais importante. Embora muitas vezes nos esqueçamos, temos um sentido intuitivo da preciosidade da Fonte interna da nossa fé e sentimos que não somos outra coisa senão emanações da graça infinita da Fonte. E temos um profundo amor e respeito pelos meios, pelo conhecimento e pelas práticas que removem os obstáculos ao pleno desabrochar da nossa verdadeira natureza.
Esta fé dá-nos força (virya) permitindo permanecer cada vez mais inabaláveis nos altos e baixos da vida. Começamos a receber nutrição desde dentro. Descobrimos a fonte interna do néctar do contentamento e da alegria. Ela traz-nos a realização e o poder, a resistência e a agilidade necessárias para prosseguirmos o nosso caminho.
À medida que a nossa força cresce, faz evoluir a nossa memória (Smriti). Percebendo a importância crucial da nossa prática espiritual, o nosso compromisso torna-se cada vez mais estável e aproximamo-nos de um estado contínuo de lembrança da nossa Fonte. Quando surgem lembranças poderosas de feridas anteriores, desejos ou distrações, esta memória mais elevada cura, protege e foca a nossa mente através da graça orientadora do Divino.
Em vez de cairmos para os nossos pensamentos stressantes, testemunhamos a mente e tornamo-nos menos vulneráveis às suas distrações. Em vez disso, somos capazes de nos render ao divino, no núcleo, momento a momento. Com isso chegamos a experienciar estados de absorção meditativa na presença Divina interior (samadhi) e a nossa mente torna-se enraizada e imperturbável.
O sábio Vyasa diz-nos que a consciência de que somos constantemente amados pelo Divino, é a maior força que nos permite entregar espontaneamente à Fonte interior. Percebemos que o que temos vindo a procurar é o que somos. A alegria dessa realização liberta-nos das tentações e distrações e abraçamos a plenitude da nossa verdadeira natureza. O apego a um Deus fora de nós derrete-se e, no abraço da nossa família espiritual (satsang), descobrimos a verdadeira presença interna do guru e do Self.
Focados na presença divina dentro de nós mesmos, percebemos que somos o doador e o recetor do amor – o amante e o amado – em um. Este é o desabrochar da perfeita sabedoria (prajna), a perceção clara do estado iluminado. Descobrimos que somos tudo o que existe. Que somos um aparecendo como muitos, capazes de nos entregar totalmente ao amor, porque nos damos conta de que não há possibilidade de ser magoados nessa união interior.
Enquanto somos cheios desde dentro, libertamos a necessidade de amor, de atenção e reconhecimento a partir do exterior e, portanto, somos capazes de nos compartilhar com grande abundância. Tornamo-nos infinitamente ricos. A felicidade não é algo que procuramos. É o que somos. Ela é a nossa essência intemporal e indestrutível.
Esta riqueza interior de amor quer compartilhar-se, pois essa é a sua natureza. É a natureza de Hanuman, a fé que move montanhas, que cura e serve a Deus em todas as coisas. A mente totalmente focada no Divino conhece-se a si mesma e é livre de todo o medo.
Com amor,
Ramgiri “
Fonte: http://www.ramdass.org/hanuman-and-the-evolution-of-faith
Tradução: Miguel Nunes Porfírio