Yamas e Niyamas – os Alicerces do Yoga

Na sua forma tradicional, a ciência do Yoga encontra expressão em oito aspectos ou dimensões que podem ser abordadas de forma interdependente. O sábio Patanjali estudou e reuniu essas dimensões, criando a abordagem Ashtanga Yoga, onde “Asht” significa oito e “Anga” significa “ramos”. Os oito ramos do Yoga, são:
Yamas, Niyamas, Asana, Pranayama, Pratyahara, Dharana, Dhyana e Samadhi.

Cada uma destas oito dimensões trata de um trabalho especifico sobre determinado aspecto da experiência humana. As duas primeiras dimensões, Yamas e Niyamas, são fundamentais para um caminhar equilibrado, seguro, sincero e possibilitador na via do desenvolvimento humano e auto-realização. Pode-se dizer que são os alicerces, as raízes, que sustêm todo o trabalho da expressão do aspirante do Caminho. Conforme as raízes, assim os frutos. Tal como na vida prática, sem que o indivíduo cultive e desenvolva raízes fortes e profundas para determinado tipo de expressão prática, o resultado dessa expressão estará vulnerável e sujeito a influências internas e externas.

“Yoga Chitta Vritti Nirodha, a definição de Yoga descrita por Patanjali.
Significa ‘Yoga é o cessar das flutuações da mente’.


Os primeiros “ramos” ou dimensões do Yoga, Yamas e Niyamas, abordam as condutas ou disciplinas individuais que têm como propósito a purificação e trabalho sobre a personalidade. Vamos abordá-los:

YAMAS (como me relaciono com o exterior) | Recomendações

AHIMSA – o primeiro dos Yamas. Significa não-violência, benevolência. Passa mais pela intenção ou atitude interior do que propriamente a ação. É dito que uma vez que este Yama é estabelecido, animais selvagens e até o ser humano mais criminoso se tornam mansos e calmos na presença.

Atitudes não benevolentes ou violentas, são também a forma de por vezes nos auto-julgarmos a nós mesmos. Por vezes desde essa tensão interior, exteriorizamos e projectamos sobre os outros como nos sentimos. Na verdade, quando fazemos algo que magoa outro ser, seja de que forma for, estamos também a magoar a nós mesmos.
Ahimsa reconhece e honra o sagrado em todas as formas e as honra, reconhecendo-as em nós mesmos.

SATYA – o segundo Yama. Significa ser transparente, honesto. Mais do que não dizer mentiras, tem a ver com ser verdadeiro. O Yoga coloca ênfase no quão importante é sermos verdadeiros para connosco próprios, não só para com os outros. De facto, como poderemos ser verdadeiros com os outros se não o formos primeiro connosco próprios?

Para sermos verdadeiros connosco próprios, devemos colocar em segundo plano a personalidade egóica que tão bem assume o controlo de pensamentos, emoções e ações. Por exemplo, quantas vezes sentimos algo em relação a alguém ou situação em concreto, e dizemos/fazemos algo oposto àquilo que realmente sentimos na base? Estará a ação nesse momento alinhada, a ser verdadeira com a emoção?

Satya remete a atenção para “dentro”, observando o diálogo interior. Ser verdadeiro para connosco é um dos mais maravilhosos presentes que nos podemos oferecer. A Vida em nós agradece…

ASTEYA – É o terceiro Yama, e significa “não roubar“. Aprofundando, significa não nos apoderarmos daquilo que não nos pertence, ainda que através de pensamentos.

Cultivando e mantendo foco neste aspeto, desenvolver-se-á integridade bem como uma consciência mais clara da importância de utilizar somente o que é realmente necessário e indispensável, seja através dos recursos do planeta, seja através do respeito de recursos de uns na interação com outros. Integridade deriva de integral, e ao irmos integrando que somos parte de um todo, a ação de cada um passa a ser estabelecida desde uma consciência mais abrangente e universal, cessando o sentido egóico que leva a crer que somos separados uns dos outros. A ideia da separação conduz a sentimentos de ganância, competição e escassez; a consciência do todo conduz a sentimentos de gratidão, humanidade e abundância.

Asteya também se trata de não roubarmos a nós próprios, não apenas os outros. Nos dias de hoje, somos facilmente “assaltados” por estímulos ao redor que convidam ao consumismo, ao ter mais e mais, para satisfazer o desejo de posse ou colocar “algo” que preencha o vazio ou falta de algo que impede a felicidade. Isso leva a que se coloque o foco no sentido de posse, “roubando” oportunidades que a vida nos coloca para olharmos para dentro, para crescer enquanto seres humanos, indo ao encontro de quem realmente somos.

BRAHMACHARYA – é  quarto Yama, e literalmente significa “caminhar em direção a Brahma, ao Criador do Universo“. Brahamacharya trata do controle dos sentidos, preservando energia, canalizando-a para a realização do Ser.

A prática dos ramos mais elevados de Yoga (Dharana, Dhyana e Samadhi) requer grande quantidade de energia, energia essa que a prática de asanas, pranayama e japa por exemplo, ajudam a desenvolver. Por outro lado, atividades ou conversas mundanas e fúteis, discussões, falar do alheio, pensamentos repetitivos acerca do passado ou do futuro, sentimentos menos saudáveis como raiva ou tristeza, companhias que dificultam a realização do Ser, praticar sexo de forma obsessiva, são alguns exemplos de como essa energia se pode dissipar, tenha-se ou não consciência disso.

De todas as atividades sensoriais, a atividade sexual é aquela em que o consumo de energia é maior, tanto a nível psíquico como a nível do sistema nervoso, daí a importância atribuída à sublimação da energia sexual no Yoga. Como em tudo, há que encontrar o Caminho do Meio cultivando o discernimento e a Consciência. Se é verdade que muitos escolheram e escolhem a castidade e celibato, é também verdade que existiram e existem yoguis que se casam e formam família.

Opiniões à parte, o facto é que quanto mais se gratificarem os prazeres dos sentidos, menor é a energia disponível e menor vontade/motivação/força em caminhar em direção ao Ser.

APARIGRAHA – o quinto e último Yama, significa desapego, não possessividade (pessoas ou objetos). Significa também o não acumular coisas de que não se necessite e não aceitar coisas pelas quais não tenha trabalhado, não ser escravo daquilo que possui, “deixar ir”.

Existe uma íntima ligação entre este yama e Asteya, pois ambos apontam para o material e a posse; no entanto, enquanto Asteya tem a ver com “não roubar”, Aparigraha foca o não acumular mais do que o necessário. Por exemplo, por vezes acumula-se roupa no guarda-fato que não é usada há anos… doá-la a quem mais necessite, será uma forma de colocar em prática este yama.

A essência de Aparigraha é dar o melhor de si, sem esperar nada em troca, sem apego aos resultados. Um ensinamento budista diz que nada do que é impermanente é a verdadeira felicidade. Papa Francisco disse recentemente, sempre que possível, que seja dado um sincero sorriso a um estranho na rua, pois pode muito bem ser o único gesto de amor que ele verá no seu dia. Tenhamos em conta a impermanência e a roda que a vida é. O que está em baixo e em cima, vão dando lugar um ao outro. Essa aceitação, entendimento e assimilação irá trazer consigo mais consciência, humildade, generosidade, paz e leveza.

NIYAMAS (como me relaciono comigo) | Indicações

SAUCHA – O primeiro dos Niyamas. Significa pureza, limpeza interior e exterior. Limpeza exterior tem a ver com higiene pessoal e ambiente ao redor limpo e ordenado, ao passo que limpeza interior tem a ver com manter o corpo saudável e a mente também ela saudável através de pensamentos harmoniosos.

A limpeza da mente obtém-se através da observação, aceitação e remoção de impurezas mentais, tais como orgulho, inveja, ciúme, raiva, etc. Já a limpeza e pureza do corpo é feita não apenas através da limpeza do corpo, mas também ingerindo alimentos nutritivos,seguindo uma dieta vegetariana.

Para colocar em prática Saucha, pergunte a si mesm@:
“Estou consciente da pureza do meu corpo, inclusive estando alerta ao que ingiro?”
“Estou atent@ à minha mente, para que pensamentos como raiva, cobiça, etc, não a invadam e a poluam? ”
“A arrumação e limpeza do que está à minha volta reflete o meu estado mental?”

É bom frisar e relembrar que uma vez que corpo e mente estejam limpos e puros, nasce espaço e harmonia dentro de cada um, para que mais e maior clareza de propósito faça parte nas nossas vidas.

SANTOSHA – é o segundo Niyama, e o sétimo do conjunto das normas éticas. Significa gratidão, contentamento, satisfação. Santosha é definido pela ausência de desejos, sendo-se grato e satisfeito pelo que já se tem e pelo que vem a caminho, o que quer que possa ser.

O sentimento genuíno de gratidão é importante na vida de todos. No entanto, por vezes a aparência física, o status social, a situação financeira, etc., podem ser motivos para descontentamento ou stress numa sociedade que estimula a competitividade e a comparação. De facto, em todas as áreas da vida surgem potenciais motivos para descontentamento. Esse descontentamento é a causa para que a infelicidade se instale. Estar consciente do diálogo interior, em que o ego da personalidade fala alto e comanda a forma de estar/ser, implorando por tudo aquilo que acredita que lhe trará a felicidade vindo de fora, é o ponto de partida.

Contudo, contentamento/gratidão não significa falta de ambição saudável, que não façamos nada para melhorar as nossas vidas. Aceitação, não significa resignação. Quando um indivíduo se sente genuinamente satisfeito e em paz, sente um profundo interesse e entusiasmo pela vida. Nasce assim uma força de vontade e determinação fortes e poderosas o suficiente para que, naturalmente, sejam feitas mudanças apropriadas para se mudar o rumo da vida estimulando a abundância em todas as áreas da vida.

Começar cada dia em gratidão e enumerar, escrevendo e lendo em voz alta, tudo aquilo pelo qual se é grato no momento em que se desperta para mais um dia, é já uma forma de praticar Santosha. Afinal, há muito pelo qual ser-se grato… aqui e agora!

TAPAS – Terceiro dos Niyamas, tem a ver com austeridade, disciplina. Tapas deriva do sânscrito “tap”, cujo significado é “tornar ardente”, que tem em si a imagem de fogo radiante, simbolizando a importância da motivação na superação de obstáculos. Nesse sentido de fogo alquímico da transformação, Tapas é um trabalho um individual.

Tapas passa pela constatação de rotinas diárias feitas de forma mecânica, discernindo se contribuem ou não para uma melhor harmonia e respeito para com o corpo (físico, mental e energético) e depois colocar em prática uma medida ou hábito (disciplina) que substitua a última, mais alinhada com o pretendido. É importante ter-se bem definido o que se pretende com a prática, pois só assim uma forte motivação terá lugar de forma a transformar alguma crença ou hábito. De facto, se o motivo para a ação não for suficientemente forte, facilmente Tapas pode ser encarado como disciplina, como sacrifício no sentido de “tarefa hercúlea que custa realizar”. Sacrifício em Tapas deve ser sentido e posto em prática como ofício sagrado (Sacro Ofício) em que, a partir de um ponto objetivado e agora tornado consciente, se cresce em direção a algo mais elevado e em harmonia com o verdadeiro Ser, desde o presente.

É de extrema importância estarmos recetivos à mudança bem como à capacidade de mudarmos algo nas nossas vidas. Mudar padrões de comportamento, rotinas, é uma via que permite que a Vida se apresente de uma outra forma sempre fresca para connosco. Como poderemos estar à espera de algo ser diferente nas nossas vidas, quando fazemos a vida acontecer sempre a partir da mesma atitude, tantas vezes mecânica e inconsciente? Se os resultados são sempre iguais e não estamos felizes com os mesmos, há que mudar a forma de os obter… de dentro para fora.

SWADHYAYA – É o quarto Niyama de Patanjali, significa auto-estudo e auto-análise.
Este auto-estudo não se restringe apenas ao estudo dos textos sagrados, vai para lá da simples indagação lógica, analítica e conceptual. Implica também um mergulho no estudo individual do Ser, aproximando-se da sua verdadeira identidade, entendendo o funcionamento do mecanismo da mente.

Pode-se viver toda a vida sem se olhar profundamente para o interior, sem esse estado de auto-observação à personalidade, aos valores e, inevitavelmente, à forma como influenciamos o que nos rodeia desde o nosso estado emocional do momento, dos pensamentos, palavras e ações e através da interação para com os outros. O praticante/estudante de Yoga, é convidado de uma forma natural a olhar para esse aspeto de si mesmo, tornando-se gradualmente mais consciente da sua forma de ser/estar na vida. Muitas pessoas vão em busca de melhorar a sua resistência, força e flexibilidade no Yoga. É certo que tudo isso acontece. Mas, através de várias técnicas usadas, Swadhyaya também vai crescendo. O foco vai passando a estar mais e mais no interior, observando a respiração, o movimento, promovendo e estabilizando assim a concentração. “Sonda-se” o corpo, foca-se a respiração, aquieta-se a mente… tudo isto práticas internas. Desta forma, gradual e naturalmente, trabalha-se desde quem somos ao invés de quem pensamos que somos.

Swadhyaya pode ser visto como a construção de um mapa: estabelecem-se trajectos, exploram-se formas de chegar a um destino através de recursos e ferramentas que se adquirem através do estudo e conhecimento. Pondo em prática esse conhecimento, eclode a sabedoria de chegar ao destino pretendido (propósito).

ISHWARA PRANIDHANA – Quinto e último Niyama, pode ser entendido como entrega ao Absoluto (a Deus, ao Sagrado, ao Mistério). “Ishwara” significa Senhor, Deus; “Pranidhana” significa entrega, rendição.

Praticando este Niyama, a mente egóica vai deixando gradualmente de dirigir as ações. Vai-se lentamente “esvaziando” de tudo aquilo que são desejos e motivos para satisfação pessoal, ao se estabelecer a intenção, direcionar a ação e entregar os resultados para com o Absoluto. Desta forma, Ishwara Pranidhana é um meio de se alcançar Samadhi, a união com o Todo, reduzindo gradualmente a atividade mental ao serviço da personalidade egóica.

De notar que “entrega” a Deus não significa passividade, inércia ou conformismo, mas sim, uma vez alinhados com o Dharma (o que nos realiza, o propósito da nossa vida), estabelecer ações desde esse ponto, entregando a forma de alcançar o objetivo bem como os resultados e os seus frutos ao Divino. Por outras palavras, agir, em devoção e sem apego aos resultados.

Ishwara Pranidhana cultiva e desenvolve também a qualidade da Aceitação genuína. Aceitação da Vida tal como ela é, sendo que muitas vezes tem-se (ou experiencia-se) não aquilo que se deseja (ou quer) mas aquilo que é preciso para a evolução e expansão interior e uma nova fase de consciência possa ter lugar.

A conhecida frase “Seja o que Deus quiser”, expressa na sua essência este Niyama. Também Jesus disse “Pai, não se faça a minha vontade, mas a Tua.”
… Suprema e incondicional rendição ao Divino.

Namaskar
Jorge Miguel Porfírio